ENJAULADOS

23-01-2021

"O bom filho a casa retorna." - Ora, retornei. O mundo tem dado muitas voltas, girámos tanto que já perdemos o nosso sentido. A vida deu uma grande bofetada a todos nós. Há quase um ano que a realidade a que chamávamos vida se alterou ligeiramente. Ligeiramente... não sei se é a melhor expressão porque aos meus olhos tudo está diferente. As pequenas coisas que tínhamos como garantidas se desvaneceram e em vez disso tudo parece uma pequena conquista.

A distância foi algo que chocou muitas pessoas; o deixar de ver e tocar chocou outras tantas. A vida solitária que tinha fez com que para mim, estar longe dos meus, não fosse novidade. No entanto, estar longe daqueles que apaziguam as saudades dos meus custou mais. Não existe dor que não seja camuflada por outra, e quando não temos nada a camuflar, os sentimentos vêm à tona. É certo que para alguns o tempo a sós fez bem; para tantos outros, o tempo a dois fez mal; outros quantos relataram que o tempo em família foi demasiado. De facto, palavras como quarentena, confinamento e isolamento foram adições novas aos nossos dicionários. É curioso como existem tantas interpretações deste ano que se passou.

O tempo parece que se esticou no início. Não sabia o que fazer para que o relógio andasse mais depressa. Rapidamente me apercebi que tinha muitas coisas para fazer mas também muitas outras para resolver. Admito que estar fechada fez-me enlouquecer um pouco; fez-me pensar em coisas que não sabia que estavam mal porque nem sequer pensava nelas; fez-me ver coisas onde não devia e achar coisas que não devia achar; fez-me ser alguém que não pensei me tornar.

É evidente que o tempo a mais fez-me aperceber que havia muita coisa mal resolvida porque honestamente, creio que quando não se pensa deixa-se de existir e da mesma forma, quando deixava de pensar num problema ele tendia a se desvanecer. O tempo que passei fechada trouxe tudo; trouxe aquilo que um dia já tinha pensado; trouxe problemas antigos; trouxe dúvidas que achava já não ter; trouxe tanto para pensar. Pensar. Sempre achei que pensar nos fazia bem mas asseguro-vos que depois deste ano descobri que como para tudo na vida, também existe um limite quando estamos a pensar. Não queiramos esquematizar, associar, organizar, escarafunchar tudo até a um fundo que caiamos de uma forma que se torna impossível de lá sair.

O pensamento é traiçoeiro. A capacidade de pensar que um ser humano tem pode ser incrível mas também pode nos levar incrivelmente até à loucura. E acreditem, ninguém é feliz louco.

Pensei muito nos últimos meses. A par, tentei manter a minha vida "normal" mas com tantos sobressaltos e afundanços devo dizer que sinto-me mais livre agora. A mente é um lugar tão precioso, tão sensível e tão facilmente corrompido por nós próprios. Enjaulados estivemos e enjaulados estamos, e por muito que digam que o nosso pensamento é livre, enjaulem-no na vossa medida. Porque tudo o que é demais enjoa, e a liberdade desmedida pode vos prender mais do que qualquer outro tipo de prisão.

Mantenham-se seguros. Em breve sairemos das nossas jaulas e gritaremos. Gritaremos o quanto quisermos, o quanto nos fizer bem.


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